quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Refúgio

  No horizonte, as linhas da paisagem desenham-se à medida que o meu olhar as percorre.
  Nunca me tinha dado conta da beleza deste local, ou melhor, da beleza que esse local proporciona, pois a partir daqui, vejo um espaço inigualável e pergunto-me se alguém já terá admirado este sítio, já terá estado aqui antes de mim, se pensou o mesmo que penso e sentiu o mesmo que sinto ao vislumbrar tudo isto.
  Sentado numa rocha algo alta, apenas deixo o tempo passar e sinto cada silêncio, cada segundo em sossego como se fosse o último.
  Ultimamente muita coisa mudou, nada é igual agora e estes momentos comigo mesmo fazem-me falta por vezes.
  Quero pensar e abstrair-me de tudo simultaneamente e este local ajuda a fazer qualquer uma destas duas coisas.
  O sol começa a descer gradualmente no horizonte e eu mantenho-me imóvel, como que paralisado perante tanta beleza.
  As horas haviam passado por mim a um ritmo que não controlei e de repente, levanto-me quase que sem pensar, dou uma última olhada no rio distante e em toda a vegetação que me separa dele e parto de regresso a casa, de volta ao que é a realidade, porém parto com o meu novo esconderijo da vida, onde agora passo a refugiar-me de tudo o que me preocupa,  o meu novo canto, eternamente guardado na memória.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Recordações de liberdade

Alegremente, corria atravessando o campo de erva alta e ressequida pela passagem do Verão que começava a distanciar-se. O terreno era banhado pelo sol dourado, porém não muito poderoso que passava entre rasgos por entre a folhagem das árvores em redor e as ervas oscilavam ao som do vento momentâneo naquela tarde que já não ia no inicio.
  Tudo aquilo lhe lembrava outros tempos, tempos em que as preocupações não existiam, as corridas pelos campos eram diárias e feitas em passada muito mais curta e pensar nisto só lhe trazia saudade.
  Parou, fechou os olhos e disfrutou de mais um momento de vento daquela tarde em que este não era constante mas vinha aparecendo. Os cabelos eram-lhe agitados e as narinas invadidas por um cheiro que lhe mostrava tempos distantes...
  O trabalho, as obrigações e todo o stress sentido no dia-a-dia acentuavam a falta de liberdade e de descompressão sentida por ele, e não havia nada melhor que vislumbrar no horizonte um infinito campo que ele percorria de lés a lés e lhe trazia de volta os tempos em que a dita liberdade era por ele sentida, e esta não permanece intocável durante uma vida, por vezes aumenta com o passar do tempo, mas tende a diminuir e quando não a temos, sentimos sempre a sua falta.

sábado, 17 de setembro de 2011

O regresso

  Deitado na cama, com a janela entreaberta a seu lado, sentia o típico cheiro da Natureza na altura do Verão e ouvia e contemplava cada ruído vindo de fora, pois naquele momento era a única distração que encontrava.
  Tudo se havia complicado de novo e ele pensava sem encontrar soluções.
  Alguém de quem gostara muito em tempos tinha voltado a aparecer na sua vida de rompante, como quem abre uma porta bem fechada apenas com um rodar da maçaneta e sem bater à porta anteriormente.
  Em consecutivas perguntas a si mesmo, interrogava-se sobre o que fazer e nenhuma resposta surgia. A frustração ia agora substituindo a monotonia à medida que os minutos passavam.
  Voltar a dar de caras com aquela mulher foi algo que ele desejara que não voltasse a acontecer quando decidira finalmente encerrar aquele capítulo da sua vida, há muito tempo, no entanto, ela reaparecera logo agora que ele estava bem, que tudo estava perfeito!
  O cansaço começava a apoderar-se dele e por fim, cerrou as pálpebras adiando decisões para mais tarde, esperando que se tornassem mais fáceis de tomar.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O olhar

Uma troca de olhares breve e longínqua e um esboço de sorriso podem alterar tudo, porque por vezes o olhar fala mais que a boca, significa mais do que qualquer palavra pode significar.
  O olhar desmascara qualquer pessoa, porque a partir dele, é revelado o estado de espírito de cada um, o que está a pensar, o que está sentir…
  Naquele final de tarde, na qual já só estava presente uma parte do sol, que já era alaranjado, ele sentiu algo que já não se lembrava sentir. A vida dentro dele voltou a despertar e tudo graças a um olhar, olhar este que lhe estava bem pregado na memória e dali não conseguia sair e nem ele queria que saísse.
  A ela, também não lhe havia sido indiferente e tudo isto se repetiu, com um pouco de vergonha a intrometer-se sorrateira e vagarosamente. As trocas de olhares passaram de casuais a constantes e a atrapalhação mútua era por vezes bem visível.
  Timidamente chegaram à fala, ao discurso inteligente que ambos gostavam de usar e que não mais teve fim…
  O tempo já não era bem passado se não fosse partilhado entre os dois e um dia, acabou por surgir o primeiro beijo.

sábado, 10 de setembro de 2011

O fim numa passada

Um rapaz a quem toda a gente gozava diariamente sem descanso   passeava pela praia deserta desfrutando da água que lhe tocava e enregelava os pés.
  Tentava abstrair-se de tudo e não pensar em nada que o atormentasse.
  A vida deste jovem de dezasseis anos, não era fácil e nos últimos tempos havia piorado.
  A mãe havia partido numa viagem sem regresso e ele vivia com o pai que tinha vícios e não lhe dava muita atenção.
  Não tinha grandes amigos visto que gostava de andar sozinho e tratava quem se aproximava como a vida o tinha tratado a ele.
  Sentou-se na areia e recordou a mãe, que sempre tinha feito tudo por ele, sempre o ajudara e apoiara em tudo.
  Era o “pilar” que ele estava a precisar naquele momento e já há algum tempo.
  Voltou a levantar-se na tentativa de desviar o pensamento e andou até chegar a um enorme rochedo que ele trepou, porque estava ao alcance de ser trepado.
  Olhou de lá de cima o mar e contemplou a beleza incomparável do mesmo.
  Aproximou-se do fim do rochedo e sentiu a forte ventania que se fazia sentir a bater-lhe na cara transmitindo-lhe uma enorme sensação de liberdade.
  Deixou-se contagiar por esta sensação, pensou uma vez mais na mãe e em tudo o resto e deu mais um passo para além do rochedo, partindo assim na viagem em que a mãe partira, esperançado de a encontrar.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mudança

  O Inverno aproximava-se decididamente. As tardes e noites frias já eram diárias e aquela não fugia à regra. De dentro do carro, esta tarde era por ele observada enquanto pensava em tudo durante a viagem.
  Era invadido por uma mistura de sentimentos e até a saudade parecia já ter chegado.
  O automóvel galgava quilómetros atravessando estradas infinitas, florestas densas e cadeias montanhosas e tudo isto acentuava a distância que ganhava dimensão à medida que a viagem decorria, e cada minuto era interminável… Só queria chegar para acabar com aquele sofrimento, ou parte dele.
  Sempre soubera que mudar de vida era algo complicado, mas nunca o tinha vivenciado e agora sabia o que era deixar a terra onde cresceu, as melhores pessoas que conhecera, ter de esquecer uma vida que sempre havia gostado.
  Nas últimas semanas tinha feito de tudo para que nada mudasse, para continuar a ser tudo como tinha sido até então, para não perder ninguém de quem agora parecia gostar ainda mais, porém não teve solução. Os pais quiseram mudar e ele não teve alternativa e agora só podia pensar em começar de novo e deixar tudo para trás, deixar uma vida, um destino, para ele, deixar um mundo para trás.

Aproveita o momento, porque todos os momentos acabam e podem terminar cedo de mais.
Vive o segundo.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Aproveita!

Ele avançava calmamente, passo a passo por entre a neblina matinal de uma manhã fria de Inverno. A bengala adiantava-se a cada passada e mostrava o esforço que já era preciso para uma curta caminhada que hoje lhe tinha apetecido. Sempre vivera atarefado e o trabalho foi sempre prioridade a qualquer outra coisa e por isto, havia imensas coisas que ele nunca tinha sentido.
  A cada esquina por ele virada era olhado por muitos com desdém, pois o sucesso e a consequente arrogância sempre estiveram presentes na carreira deste senhor, que muitos invejaram, odiaram até…
  Agora era um homem diferente e a recente perda completa da visão levara-lhe também grande parte da antipatia e da personalidade arrogante e orgulhosa que em tempos eram bem visíveis. O pensamento substituí-a a visão e o sentido levava ao pensamento. Ao mesmo tempo que sentia a brisa fria a esbater-lhe na face pensava na vida que havia deixado para trás, mal aproveitada talvez, ou talvez não. Sabia apenas que se pudesse voltar atrás não agiria como agiu durante uma vida e não estaria só como actualmente acontecia.
  Nunca tinha dado um passeio numa manhã de Inverno e agora não queria que acabasse, preferia ter eternamente aquela sensação, porque finalmente estava a sentir realmente algo, finalmente estava a disfrutar, mesmo não vendo, e isto também era sinal de mudança.

Vive o segundo, aproveita cada momento.